terça-feira, 9 de junho de 2009

Notícias do caso 456.823

Saiu no site do jornal numa manhã de quinta-feira: mais informações sobre o caso 456.823
Achada uma carta da vítima endereçada ao prefeito A//// //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// quebra de texto //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// ////
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“Não sei nem mais como começar uma carta. Devo por data, como aprendi na 3ª série? Ou simplesmente, saio escrevendo? Bom, de qualquer jeito, vai ser uma carta. Minha última carta. Minha pequena bibliografia, para que assim você possa entender o que aconteceu comigo. Porque, você sabe... Esse é o mínimo que te devo.
Às vezes paro para pensar como me transformei nessa mulher de hoje. Bom, como você muito bem sabe, eu, até meus 25 anos eram igualzinha aquelas mulheres de comercial de xampu, absorventes, novelas, enfim... Mulheres modernas que tinham todo o poder nas mãos, mulheres que faziam seus destinos, mulheres que eram lindas, perfeitas e felizes. Enfim, eu tinha acabado de sair da faculdade, com um emprego bom para uma iniciante, meus dez mil produtos de higiene pessoal, meu armário cheio de roupas, sapatos e bolsas, um carrinho legal, saia todo fim de semana, era uma mulher culta que lia cinco revistas por semana, assistia a todas as peças e filmes em cartaz e tals, tals, tals... Ah sim, bancada por meus pais, é claro. Mas dessa época você sabe tudo. Quer dizer, quase tudo. O básico, somente né?
Até que um dia tudo mudou. Foi naquele momento em que eu me vi //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// quebra de texto //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// ////
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Só sei que depois daquele dia, nunca mais fui a mesma. E isso se reflete na minha atual vida. Hoje em dia peso mais que cem quilos, pareço uma das seguidoras do jainismo, fisicamente só, porque agora como carne igual uma condenada. Cansei de me privar das coisas. Hoje em dia, isso simplesmente não mais sentido. To com fome, como mesmo... Acho que esse pensamento explica parte dos meus cento e trezes quilos. E às vezes me pego pensando quando foi que comecei a me descuidar da aparência? Eu parecia uma boneca de comercial!

Meu rosto parece uma rua bombardeada, marcas de expressão, rugas e cravos. Fazer sobrancelha? Que isso? Minha boca está toda rachada, minha pele está ressacada. Como as coisas não mudam em vinte anos... Não sei mais o que é me arrumar. Brilho? Blush? Lápis de olho? Esmalte? Perfume? Me pergunto onde isso tudo foi parar.
Meu guarda roupa virou um amontoado de três calças jeans e um bando de camiseta velha com todo tipo de propaganda manchadas de graxa. Sapato? Tenho dois tênis. Ah, possuo seis pares de meia também. Meus produtos de “beleza” ficaram reduzidos a um sabonete e um desodorante. Não tenho mais carro. Não tenho mais amigos, não tenho mais família, não tenho mais diversão. Não tenho mais vida.

Os anos me castigaram, mas esse fardo que levo nas costas foi unicamente culpa minha.
Afinal, por que eu decidi ir para lá naquela noite?
Claro! Se eu não tivesse ido, eu nunca teria //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// quebra de texto //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// ////
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Mas, te revelo que tentei voltar ao “normal”. Só que tudo parecia tão desnecessário e fútil a partir daquele mês... Os sabonetes não eram mais suaves, a maquilagem já havia virado um tipo de máscara que me escondia, as roupas não tinham um por que de serem usadas e o carro já nem existia mais, né? Igualmente os quatrocentos pares de sapato que possuía. Dei tudo. Assim como dei livros, bolsas, eletrônicos, dvds, cds e todas as outras baboseiras. Passei a andar sem rumo. Me perdi. Na verdade, às vezes acho que me encontrei. Não sei ao certo. Sinceramente, é como se eu tivesse vivido duas vidas, caminhando para uma terceira, totalmente diferentes entre si, mas com algum ser interligando as três. Tipo personalidades múltiplas, sabe?
Já te contei que fui noiva? Sim, cara. Eu já amei e fui amada um dia. Pasme. O nome dele era Márcio. Ótimo rapaz, como diria a minha avó. Estudante de engenharia, que nem você. Namorávamos há dois anos. Começou na faculdade. Nos apaixonamos de verdade e em menos de um ano noivamos. Na verdade, no dia da graduação ele me levou para ver nossa nova casa... Você, me conhecendo, deve estar pensando “Gente responsável é outra coisa”. Mas ele mudou comigo depois do acidente. Quase não conversávamos, não nos olhávamos, então decidir sumir. Pode soar meio doentio, mas no mesmo dia que sai da casa, fiz questão de ir naquela maldita rua que mudou meu destino pra ver se //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// quebra de texto //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// ////
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Para terminar, só queria te agradecer por estar lá naquele hospital comigo durante os dois meses. E para dizer que estou bem e que também, pode soar meio egoísta e mal agradecida, mas pare de me procurar. O que aconteceu conosco foi ótimo e nada irá me fazer esquecer. Fez parte da minha vida, da minha história, mas acabou. Eu te amo para sempre. Mas me esqueça. Assim como eu preciso esquecer do meu passado. Só há uma coisa que me faz rezar ainda à noite, e é para sua felicidade. E você merece uma amiga mais presente do que eu. Eu simplesmente não posso te dar o que não tenho para oferecer. Poderia dizer pra você me responder, mas sei que qualquer endereço que eu ponha, te fará vir atrás de mim. E não quero isso, mesmo porque tenho notícias suas diárias. Afinal, você sai todo dia no jornal. E me lembro primeira vez em que te vi. Seu sorriso perfeito anunciando mais uma conquista: “O prefeito do ano”. Parabéns por isso, por sinal. Sei que farás um ótimo trabalho.

E por favor, jamais conte a menina a verdade. Dizem que a pior verdade é melhor que a mais bela mentira. Não nesse caso. Deus proteja-a de saber quem sou eu. Ou pior, quem é o pai dela. Será melhor para todos se ela crescer linda como sua filha.

Te amo.

Sempre sua, T.”

Espera-se veementemente que tal achado ajude a polícia a esclarer o que aconteceu naquela noite em que a jovem //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// quebra de texto //// //// //// //// //// //// //// //// //// //// ////
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